quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As promessas indevidas

Actualmente, o ensino, porque sobrelotado, encontra-se vazio. Mais um dos paradoxos da modernidade.

Quantos estudantes a nível nacional serão postos no mercado de trabalho para ocuparem postos idênticos aos que teriam findo o ensino secundário? Quantos nem pelo gosto da memória guardarão os livros? Quantos precisarão do dobro das matrículas de um curso para se aperceberem de que o detestam?

Um dos erros mais crassos da nossa contemporaneidade é levar-nos a cair na ilusão de que toda a gente há-de conseguir tudo aquilo que quer. Toda a gente tem em si a capacidade para alcançar o que a sua mente conseguir desejar. Para que tal pareça verdade cedemos ao facilitismo e democratizamos ao máximo o ensino. Isto, claro, a par das contradições das vagas universitárias, das escolas em ruínas… Com o que é que nos deparamos? Maus profissionais, baixa taxa de cultura, desinteresse e o pior, uma juventude frustrada.

Proclamações filosófico-político-económicas de Liberalismo e Individualismo vieram semeando a sociedade com que me deparo e choco: que envergonha quem vai para cursos profissionais, quem procura emprego aos 16 anos, quem, mesmo depois de esforço e aplicação chega à conclusão de que não quer mais estudar. Verdadeiramente vergonhoso? Para mim é obrigar os pais a pagar 1000 euros por ano, passando-o envolto em televisão, conversas de café, saídas e Queima. No entanto, quem cai nas desgraças de não entrar na Faculdade ou de acabar num “daqueles cursos que não dá para nada” é que é alvo de chacota. Nem sequer directa e frontal, daquela que se segreda e em tom de pena.

Verdade pura e dura - é exigência da nossa própria evolução que nem todos tenhamos a carreira dos nossos sonhos. Se todos os homens fossem pianistas virtuosos e todas as mulheres brilhantes escritoras, e se todos tivessem seguido tais paixões, o mundo (ou a nossa visão antropocêntrica dele) teria parado, e eu não teria um tecto sob o qual dormir com água e electricidade. Por mais que nos custe admitir, somos minúsculas bio-partículas cujo todo tem de ser harmonizado de modo a sobreviver prolongada e sustentadamente.

Igualdade de oportunidades, aqui reside o cerne das minhas crenças, a minha acérrima convicção, luta e vontade. Acarreta responsabilidade sobre si mesmo e tem de implicar uma liberdade de escolha, consoante o quanto se fez para o merecer, sem perder a necessária dose de talento, vocação e sorte – c’est la vie. Aqui salvaguardo e reforço, evidentemente, a educação. É ela que potencia o máximo que cada um tem em si e atribui poder de escolha. Precisamos de pedreiros e cabeleireiras, mas não cabe a nenhum tipo de “força superior”, nem metafísica, nem muito menos maquiavélica, determinar quem o será e quem acabará na NASA.

Não se trata de obrigar parte da população a parar de lutar por aquilo que almeja, havendo lugares restritos e marcados. Antes garantir que haja vontade genuína de quem luta e não uma decisão arbitrária de quem nasceu no meio certo com os recursos certos. A força do acaso e a lei da sobrevivência lidarão com a restante logística (sim crentes, deus é injusto).

12 comentários:

  1. Este texto passa obrigatoriamente por um ataque ao sonho de uma vida melhor.
    Com a evolução da sociedade e melhoria da qualidade de vida é natural que muitos jovens pretendam ter carreiras brilhantes. Parece-me natural que um jovem português da dita classe média reprove no primeiro ano do seu curso, e mesmo achando que aquele curso não é para ele, volte a tentar mais um ano, que provavelmente vai ser desprediçado.
    Enacarar que se vai passar o resto da vida a servir à mesa só é encarado e assumido em última instância, o que é plenamente legitimo.
    Muito negativismo e revolta passa por estes lados...

    ResponderEliminar
  2. Pontos válidos. Infelizmente.

    Não me parece que se trate um ataque ao sonho de uma vida melhor, mas sim um ataque à definição de “vida melhor” que predomina nos dias de hoje.

    O problema é que hoje em dia a maior parte das pessoas tenta encaixar-se no modelo de estilo de vida “perfeito” vendido por practicamente todos os meios de comunicação e, pior que isso, pela opinião pública. Somos nós próprios que colocamos esta pressão uns nos outros e não uma qualquer identidade obscura como também há alguns que afirmam.

    Parece que as pessoas se querem embrutecer a si mesmas até se tornarem num personagem de televisão ou de um romance; há uma tentativa de se ficcionalizarem, deitando ao ar toda a substância na esperança por um final feliz - e fácil.

    Há que ter um curso respeitável, um emprego respeitável, um salário respeitável, roupa respeitável, uma casa respeitável. Enquanto se leva uma vida respeitável, não se perseguem os sonhos nem se exploram os gostos e, acabamos assim com uma triste sociedade de frustrados - mas atenção, frustrados respeitáveis!

    Aplaudo o tema suscitado e a maneira como foi exposta. Mais se poderia dizer sobre este assunto, mais que eu saberia dizer.

    Ricardo Cabrita

    ResponderEliminar
  3. Fico feliz que me tenhas percebido, Ricardo. Mas anónimo, terás certamente quem te apoie na consideração do meu ponto de vista como "negativista".

    "um final feliz - e fácil", uma óptima súmula. Quando falei nos pianistas virtuosos não foi em vão, pois quantos destes teremos no futuro quando vingar na Música é "demasiado difícil" e quando foge "aos padrões do respeitável"?

    Gostava apenas que as pessoas aceitassem melhor as críticas, que se responsabilizassem a si mesmas, mas que ao mesmo tempo surgisse um respeito mútuo, universal e verdadeiro entre todos nós, despido de preconceitos sobre aquilo que é socialmente desejável.

    ResponderEliminar
  4. Tinha que ser. Já estás avisada dessas vicissitudes da vida, "avisada" por outrem, e "avisada" (compreenda-se, aprendida a questão mas não totalmente apreendida - o que infelizmente não revela exclusivamente problemas de semântica) por ti mesma. Um "ente" "desavisado" não esboçaria eloquentemente o fio condutor mental que desbobinaste. Mas ele revela, alerto, falhas conceptuais, respeitáveis (como aliás sempre) na medida subjectiva do ser humano.
    Ora sucede que, certa(s) organização(ões) a nível mundial vivem em busca da chamada "palavra perdida", da palavra/conhecimento que desvelaria todo um rol de conhecimentos que, interligados, levariam, acredita-se, a um estado de sabedoria intrínseca (o "conhece-TE a ti próprio") e extrínseca, que abriria o mundo em leque aos olhos do que a encontre.
    À semelhança da palavra, podemos transitar para a ideia de "significado perdido" - quem perde o significado da sua própria existência, ou o reduz a uma mera "consequência de se ser", esquece-se do significado-utilidade que pode ter para si próprio e para a sociedade, e negligenciar o seu potencial: imagine-se (obra de tal monta que pode requerer dois cafezinhos e uma sesta ao sol de Agosto) um político não-profissional, incorruptível e com valores morais quais imperativos categóricos Kantianos, que tem a capacidade inegável e visível a todos de se colocar ao dispor da sociedade e de prestar o serviço (o que aliás era no que a política se deveria traduzir, numa prestação de serviço, em detrimento do bem estar pessoal) que ela necessita para "pular e avançar", mas que, de súbito sofre duma "dor de pensar e de ser", factor clínico que o impede de prestar o seu real valor, fazendo-o, por imposição psíquica, dedicar-se à pesca da marmota. Como parece óbvio, qualquer pessoa entre o estádio mental de neandertal até ao de iluminado, não hesitaria em colocar esta "personne" (o tal político) numa instituição psiquiátrica, ou a condená-lo socialmente por egoísmo. Pondo aparte as considerações acerca da irascibilidade do povo face ao "condenado na guilhotina", e o típico "à morte" revelador de falta de raciocínio futuro, é necessário pensar o que sucederá a uma pessoa que, possuindo as mesmas qualidades do político (doravante sujeito A), pelo menos percebendo-se uma tendência para tal, acorde um dia e diga - "isto, de facto, é tudo uma merda. E sendo uma merda tudo, e estando eu englobada nessa merda que é a totalidade do tudo, serei, concomitantemente, merda. Ora sendo eu merda, por via deste raciocínio, sendo que há merda neste mundo que tem a sorte de cheirar bem, não se me afigura que (note-se neste ponto a tal "dor de pensar")eu cheire, já que não o sinto, não o vejo, nem o prevejo. Logo, estou condenado ser merda, por virtude de tudo o ser, e cheirar mal (ainda por cima), por virtude de, cotejando a minha situação com a alheia, esta parecer cheirar melhor." Parece-me um raciocínio um pouco "stinky".

    Termino com Guerra Junqueiro em comentário seguinte.

    Esperançoso, como aliás sempre estive, que mudes de ideias quanto às tuas concepções, despeço-me.

    ResponderEliminar
  5. http://www.cb.dhs.org/cafe-da-esquina/index.php?topic=86.0

    "O Melro" de GUERRA JUNQUEIRO

    ResponderEliminar
  6. Antes de mais, excelente escolha de tema :)

    Parece-me que o que se procura arguir neste texto não se prenderá tanto com o direito a um livre desenvolvimento da personalidade e, concomitantemente, ao "sonho de uma vida melhor"; parece-me mais orientado para uma reflexão sobre o juízo social que recai sobre as alternativas ao ensino superior, ou melhor, sobre as alternativas ao que se preconiza como "louvável" ou pelo menos "digno".

    Aqui, sou da opinião de que a apologia do trabalho se viu, algures, subalternizada em função do modus, bem como em função do status.

    É pacífico que todos devam ter a mesma igualdade de oportunidades, que em todos repousa a mesma dignidade. A questão, a meu ver, é que esse direito não é o direito a ser o que se idealiza, às vezes de forma pouco menos que onírica, mas o direito a compor os seus interesses da melhor forma que conseguir, na óptica da sua realização pessoal; sob pena de ser transponível, por analogia, para outros domínios da socialidade.

    Não se trata de condenar à partida o que quer que seja: trata-se, antes, da consciencialização, cada vez mais necessária, de que uma sociedade se constrói de diferentes elementos. Se quiserem um exemplo biológico, vejam o das células estaminais. Parece-me estranho que uma sociedade possa rejeitar de forma infundada um processo de "diferenciação" ou "especialização", seja em que sentido ou em que altura essa especialização se der.

    Nem se reduza isto a um categórico "não podemos ser todos doutores": em vez disso, talvez se possa aqui afirmar que "não temos que ser todos doutores", para o caso específico do ensino superior. Mas o ensino superior é apenas uma nuance da questão, porventura a menos gravosa.

    Repousa sobre uma imensidão de áreas profissionais um juízo colectivo de demérito e de quase censura que assume contornos preocupantes em alguns casos.

    César Luis Menotti dizia que uma grande equipa é feita de pequenas sociedades, em que cada elemento condicionará sempre o sucesso dos restantes. Mais do que se conhecer a si próprio, conhecer o lugar que deve ocupar e de que forma ocupá-lo, no sentido da obtenção dos melhores resultados. Não num sentido de "heterodeterminação", mas num sentido de mediação entre as exigências de uma vida e o desiderato da realização sócio-profissional. Não penso que a realização pessoal se consiga e viva de extremos, mas antes de um equilíbrio entre estas tensões.

    Para concluir, note-se o exemplo da geração de 70, eternos diletantes, vencidos da vida. As suas palavras, sem dúvida, inspiraram outros a procurar a mudança. Mas não conseguiram nunca ser eles a operá-la. Haverá sempre lugar para uma Geração de 70, desde que haja quem a oiça.

    ResponderEliminar
  7. Antes de mais, penso tratar-se de um completo erro interpretativo do leitor Anónimo pensar que se trata de um "ataque ao sonho de uma vida melhor".
    Importa realçar que o texto retrata a sociedade atual e nesta, apesar de o "sonho" poder ser mais que isso, todos temos que ter consciência que em certos domínios só os mais tenazes vingarão.
    Errado não será tomarmos isto por adquirido mas sim por imutável.

    Por outro lado, se é certo que há muito a ideia de que todos têm que ser doutores, não podemos deixar que isso ofusque outra realidade bem viva na nossa sociedade que é a daqueles que não pensam sequer em prosseguir estudos porque têm de começar a trabalhar o mais rapidamente possível.
    Não podemos esquecer que as desigualdades existem e é aqui que vou discordar na classificação da democratização do ensino ao máximo como facilitismo.

    Partindo do princípio inegável que todo o homem nasce livre não podemos deixar de enquadrar essa liberdade numa comunidade humana. assim, verdadeira liberdade em toda a sua dimensão pressuporá igual liberdade para todos!
    Tomemos, já que estamos num blog de pretensos juristas (:P) a Lei como o primeiro princípio dimensionador da liberdade. Facilmente nos apercebemos que, sem Lei, a liberdade seria apenas "o reino do mais forte" porque, como diz Lacordaire "Entre o forte e o fraco, a lei protege e a liberdade oprime" (apud SANTOS SILVA, Augusto, Os Valores da Esquerda Democrática).
    Através desta igualdade jurídica libertadora devemos procurar também a igualdade social porque dentro da igualdade jurídica pode ainda acontecer (e acontece) a sobreposição dos mais fortes aos mais fracos.
    Esta igualdade social traduz-se num igual (livre) acesso e utilização de recursos sociais básicos, nos quais se inclui a educação (e a mais gritantemente menosprezada cultura)(também seguindo isto me vejo condicionado a aceitar um regime de prescrições).
    Desta forma não se compreende que, mais do que todos aspirarem a ser doutores (o que apesar de ser apenas conformismo social, é legítimo), existam aqueles que, à partida, não têm aspirações. Não por inércia ou falta de ambição, mas por imposição do contexto sócio-económico em que nasceram.
    Posto isto, a democratização do ensino não me parece facilitista nem o grande problema.
    Se falas da democratização no sentido da pressão e conformismo sociais que já foram referidos não creio que se trate, em rigor, de democratização.
    A democratização passa pela abertura, pela criação de iguais condições de acesso e uso para que o ser humano possa ter aspiração de realizar o seu projeto pessoal. Ou seja trata-se de "ser igual para ser livre, logo diferente".
    Assim, (vivendo na sociedade sem cunhas) o facto de haver licenciadosa "ocuparem postos idênticos aos que teriam findo o ensino secundário" será apenas (se cumpridos com rigor os pressupostos de liberdade e igualdade) a meritocracia a funcionar. Se todos tivemos as mesmas oportunidades, chegando ao mercado de trabalho funcionará a grande justiça, a do mérito.
    Depois temos que democracia, muito rigorosamente, se oporia a aristocracia e "a pressão" de que falámos não afeta só o «dêmos» mas também o «aristos».
    (continua)

    ResponderEliminar
  8. (continuação)
    O que quero dizer, no fundo, é que não vejo na democratização do ensino algo de perturbador para a sociedade.
    Talvez o grande cancro seja antes a não democratização da cultura, que leva precisamente a estes tipos de pensamento que nos assombram e que condicionam a formação de uma classe política verdadeiramente democratizada e não tendencialmente oligárquica como a que vemos hoje em dia.

    Paulo, eu gostava de ser mais do que essa geração de 70. A sério que gostava. Mas não é fácil neste meio académico (também já bastante oligáquico) fazer-se ouvir sem se ser "boy" de alguém. Temos cada vez mais estrategas e menos políticos, não querendo menosprezar a qualidade de estratega na formação de um bom político, mas a visão, a coragem, a razoabilidade, entre outros, estão muito subalternizadas.

    Ricardo Fernandes

    PS:Em tom de provocação saudável quero apenas dizer que o anónimo tem um discurso um bocado dinomaníaco. :P

    ResponderEliminar
  9. Concordo contigo, caro Indigente, quando desclassificas a democratização do ensino como facilitismo. Mas repara, a verdade é que a maior parte das vezes os conceitos são de facto bons e soam bem no papel, no entanto, a realidade tem uma tendência deveras irritante de “corromper” a teoria. Intrepretei assim a referência à democratização do ensino, mais uma chamada de atenção à maneira como tem sido posto em practica que propriamente o conceito em si.

    Mas vejamos.
    A verdade é que vivemos um momento de facilitismo no ensino (motivado pelas mais variadas razões que não valerá a pena discutir agora). Por um lado o ensino obrigatório vê-se privado de rigor académico que seria suposto ter. Por outro temos o caso de planos como o das novas oportunidades que são muito mal postos em practica. Uma ideia que seria boa por princípio, esta de providenciar educação e cultura àqueles que , como disseste, por ventura do seu meio sócio-económico ou por qualquer outra razão, não tiveram oportunidade de a obter previamente.

    Note-se a ironia desta situação. Ao invés de se trabalhar no sentido de trazer educação a todos e, de uniformizar a sociedade pela educação, acabamos por reduzir a sociedade a uma educação medíocre. Se eu fosse fazer as novas oportunidades sentir-me-ia traído por sair de lá com pouco mais que um diploma vazio quando podia ter aprendido coisas novas, interessantes e, proveitosas para o meu futuro.

    No entanto as pessoas vão atrás disto, é mais uma vez o síndrome desta sociedade do querer “parecer bem”- onde os títulos sonantes e as roupas bonitas valem mais que a real substãncia.

    Concordo também quando dizes que o maior problema é a não democratização da cultura, como lhe chamaste. É em grande parte esta dissonãncia entre as gentes e a cultura que leva à... inércia da consciência; esta que teima em não reflectir e pensar.

    Ricardo Cabrita

    ResponderEliminar
  10. Ricardo, concordo contigo.
    Quero só esclarecer que nem todas as vias de Novas Oportunidades visam formar, assim como nem de todas se sai sem formação.
    No processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) é suposto reconhecer-se oficialmente conhecimentos adquiridos fora do sistema de ensino, conferindo-lhes um grau escolar ou profissional por aquilo que já sabem. Isto visa certificar o carpinteiro, o padeiro, o oleiro ou mesmo o empresário de sucesso que, pelas vicissitudes da vida nunca pôde concluir o 9º ou 12º ano mas que tem competências reconhecidas.
    Outros programas com os cursos EFA e a unidades modulares visam, essas sim, a formação. Supostamente ficaríamos com uma sociedade mais rica e essas pessoas aptas a desempenhar novas funções, tendo um leque de...novas oportunidades.
    Acontece que, umas vezes por culpa do sistema, outras vezes por culpa das pessoas (demasiadas vezes), isto é ineficaz.
    No primeiro programa as pessoas não vêem as suas competências verdadeiramente certificadas porque o processo não é suficientemente exigente. Outras vezes as próprias pessoas enganam o sistema (enganando-se a elas próprias) e têm outras pessoas a fazer-lhe os trabalhos.
    No segundo processo, mantém-se a falta de exigência e acontece que muitas pessoas se tornam papa cursos (os cursos são remunerados).

    Também não são raras as vezes em que este sistema não é adequado ao contexto social.
    Muitas vezes não se tem noção disso, mas suponhamos a situação de um indivíduo que está em casa com mais de 50 anos, sem carta de condução, educação, alimentação e roupa dos filhos para pagar, mais sustentar-se a si própria com um rendimento social de inserção de cerca de 580€ (estimativa para uma família de pai, mãe e dois filhos na universidade)(ter em conta que passa a ser o valor do rendimento do agregado. Esta é uma situação de rendimento 0€).
    Aquele rendimento já inclui bolsas de estudo e quaisquer subsídios (caso contrário é pago o valor da diferença entre o rendimento do agregado e aquele valor).
    Para ter direito ao RSI a família assina um acordo com a segurança social onde se compromete a seguir um programa de inserção (que passará por formações e assim, presumo) e tem de, mensalmente responder a uma série de formalidades.
    No meio disto tudo o dinheiro, obviamente não chega e há que começar a fazer biscates e limpezas por todo o lado para conseguir pagar a sua renda, a renda dos filhos, a comida, os livros(fotocópias), as despesas, etc.
    A segurança social aperta e a pessoa, como não pode, por não ter tempo e estar asfixiada na luta para ter dinheiro em cada dia, procurar um emprego estável e/ou cumprir o programa de inserção, é-lhe retirado o subsídio e passa a ter de se sustentar ainda mais de biscates e/ou limpezas, entrando num ciclo vicioso.

    Isto bastante comum em meios onde as ofertas de emprego com contrato são escassas ou implicam deslocações que não são comportáveis para os indivíduos. Ora, acontece, portanto, em todas os meios não urbanos e certamente nos meios urbanos também.

    Quanto à democratização, quando alguém que recebia 318€ de bolsa passa, nas mesmas condições e por mera alteração da forma de cálculo, a receber 124€ (não chega para ter duas refeições diárias de prato social e pagar as propinas), tem duas hipóteses: abandona o ensino superior, ou arranja trabalho.

    Se arranjar trabalho, provavelmente ficará definitivamente sem bolsa e terá de passar para o full-time e fiar-se no regime de trabalhador-estudante (que na verdade poucas regalias tem) para fazer o curso.

    Assim, nem bem, nem mal, a democratização do ensino ainda está para chegar.

    ResponderEliminar
  11. (isto à parte)
    Não podíamos, portanto, compreender que alguém, só porque tem mais recursos, pudesse andar na faculdade ad eternum a consumir recursos do Estado (que o ensino superior não se financia com 1000€ de cada estudante) enquanto prepara o seu percurso político através do tacho e fazendo carreirismo do associativismo (ah espera, isso podem que as listas aceitam prescritos desde que sejam boys -.-). Por isto concordo com um regime de prescrições, mas casuísticos.

    ResponderEliminar
  12. Não fazia ideia que as listas aceitavam alunos que tivessem prescrito. Curioso.

    Muito interessante esse ciclo vicioso de que falas da família do rendimento social de inserção. Seria bom que o sistema da segurança social funcionasse de uma forma mais.. compassiva para com esse tipo de situações - na hipotética situação que referiste em vez de "apertar" o indivíduo com formações e formalidades, (se bem que estas segundas suponho que sejam necessárias ), talvez fosse melhor receber ajuda para gerir os biscates/part-time e até na tentativa de arranjar um emprego mais fixo, podendo ter a ajuda de um tutor nesse sentido por exemplo.
    Claro que os recursos humanos também se pagam, no entanto se a pessoa até acabasse por sair a bem deste ciclo vicioso, com a ajuda da segurança social, era menos um rendimento de inserção que saía dos bolsos do estado. Suponho que já existam mecanismos parecidos mas, das engrenagens da nossa segurança social percebo eu pouco ou nada.

    Ricardo Cabrita

    ResponderEliminar